Crônicas

A retomada

Ilustração: Will Cavalcante ( @willilogia )

Sabia que existem 305 povos indígenas hoje no Brasil? Ao todo são 274 línguas diferentes sendo faladas além do português. E ainda existem 114 povos indígenas isolados e de recente contato. Esse é nosso enorme país, um lugar de muitos. E fato do qual não podemos fugir jamais é do nosso triste passado. Nesse país continental aconteceu um grave genocídio indígena desde que foi invadido pelos portugueses. Genocídio e etnocídio (genocídio cultural) que perduram até os dias de hoje. Foram milhões de mortes, não se pode fugir da responsabilidade de reconhecer os erros do passado e reconstruir um ambiente seguro para os povos ancestrais dessa terra nos dias de hoje. O país é continental, repito, e tem espaço para todo mundo.

Muitos povos indígenas não estavam mais em suas terras originárias em 1988, quando nossa Constituição foi aprovada, por terem sido expulsos de forma violenta, sem a menor chance de resistir contra o latifúndio, a ganância, a sede de poder do sistema que todos nós conhecemos. O assunto é muito mais complexo e tem muitos outros desdobramentos, mas esse é um dos motivos que explica o porquê do PL 490 ser tão injusto.

Outro tema importante: você provavelmente tem visto nas suas redes sociais cada vez mais indígenas e apoiadores dessa causa? É que estamos vivendo um amplo processo de ‘retomada’. Esse termo explica o fenômeno social no qual o sujeito se reconhece indígena ao saber dos seus antepassados, seus ancestrais e sente uma forte necessidade de retomar sua própria identidade ou etnicidade. Ao se reconhecer como bisneto, neto e até filho de indígenas, dá início ao processo de busca por informação, por compreender a luta, reconhecer os preconceitos do qual foi vítima ao longo da vida, entender as opressões que vivenciou ou viu seus familiares vivenciarem. Na área do Direito, esse termo se refere também ao processo de luta por se manter em seu território ancestral.

É algo complexo, que acontece de várias maneiras, com histórias diferentes e muito pessoais, sendo uma experiência única para cada um. Fato é que essas pessoas cansaram de negar sua ancestralidade. Alguns descrevem sobre um forte magnetismo diante de toda e qualquer manifestação indígena, outros se emocionam com a causa e encontram no caminho político um modo de reafirmar sua identidade, sem necessariamente se dizer ‘indígena’. Muitos, aliás, tem receio de se assumir e serem vítimas dos leigos que bradam sem parar: “mas você não é índio de verdade”, discurso ultrapassado e equivocado, como nos disse Daniel Munduruku: “Eu posso ser quem você é, sem deixar de ser quem eu sou!”.

O caminho ainda é longo e é muito mais comum ver milhares de jovens e adultos que vivem no Norte do Brasil com identidades emprestadas. Mesmo correndo sangue indígenas em suas veias, negam, desconhecem ou escondem sua ancestralidade, alheios de si.

O tema é amplo, complexo, mas já se pode encontrar muita informação de qualidade na internet e redes sociais, principalmente no Instagram. É algo sério, importante para todo cidadão brasileiro que se quer justo. Merece todo cuidado e respeito de todos e todas.

Essa ilustração linda foi feita por @willilogia – Willian Cavalcante, que gentilmente me cedeu para fazer esse post.

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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