Vivendo na Polônia

Vários assuntos aleatórios

Chegou o fim do semestre e o momento de provar que estamos de fato estudando. Preciso fazer um artigo para cada uma das três disciplinas do doutorado. Finalizei um deles hoje, com o tema “A inserção da poética oral indígena no cânone da literatura Brasileira” e estou aliviada por isso. Ainda preciso apresentá-lo em um evento no fim de junho, para fechar minha nota. Reinaldo também estuda diariamente e já fez seis provas. São 10 ao todo. Luigi estuda às 16h todos os dias. Está em processo de alfabetização em português.

Estamos quase no verão e isso é maravilhoso. Tem feito sol e até calor, com temperaturas variando entre 18º e 30º. Quanto mais o tempo passa, mais conseguimos observar as estranhezas da cidade e toda cidade tem as suas. Não sabemos se foi coincidência ou não, mas vimos pessoas brigando com certa frequência por aqui. Brigas ocasionadas visivelmente por embriaguez e valentia masculina. Porrada mesmo. A vodka é uma invenção polonesa e não Russa, sabia? Eles bebem muito, bastante, com força. Homens e também mulheres. Se eu sair de casa com o objetivo de comprar pão, certamente verei alguém embriagado pelo caminho. Talvez seja coisa da região onde moramos, todo centro de cidade tem vocação para as loucuras da boemia.

Por conta das provas do Reinaldo e dos meus artigos a serem entregues, estamos duplamente estressados. Nos apoiamos um no outro, mas também nos estressamos mais um com o outro. Sabendo que não é nada pessoal, a gente se alfineta e no momento seguinte mudamos de assunto e humor como se nada tivesse ocorrido, uma absoluta falta de rancor, o que é mais positivo do que negativo, geralmente.

Luigi é esse ser maravilhoso e alegre, nos mimando sem parar. Meu filho robustece minha autoestima, é elogio do acordar ao ir dormir. Mas quando o alarme toca todos os dias 16h, horário da aula dele, é reclamação na certa. Tem avançado bem na alfabetização. Já lê palavrinhas com três sílabas simples. Eu não pressiono muito, Reinaldo é mais rigoroso e Luigi agradece por ser eu a professora na maioria das vezes.

Tenho sentido falta de mulheres. Se sentar a mesa com minha mãe, irmã, cunhada, tias, amigas, sinto falta de conversas. O telefone já não supre a ausência física. Eu quero ouvir e dizer coisas pessoalmente. Quero cumplicidade feminina, quero dividir sobremesa, rir de bobagem, trocar informações sobre coisas e gente e ainda falta muito para poder ter tudo isso novamente. A previsão é que possamos ir para o Brasil nas próximas férias de verão, podendo assim ficar três meses por lá. Em setembro começa o ano letivo por aqui. Luigi vai retornar à escola, finalmente, depois dessas férias pandêmicas forçadas e em dezembro eles só tem duas semanas de recesso para as festas de final de ano. Com passagens caríssimas, fica inviável ir ao Brasil para passar 15 dias, infelizmente. Por isso pretendemos ir em junho de 2022. Eu nunca fiquei tanto tempo sem ver minha mãe, sinto falta dela e não há comida saborosa que substitua abraço de mãe.

Escrevo toda sexta-feira um pouco dos meus dois projetos de livro. Um deles são crônicas elaboradas nos últimos dois anos. Testemunho desde a saída do Brasil até os dias atuais, esse texto que você lê agora aqui no Minha Janela estará provavelmente no livro. Outro projeto é o Livro de Clara. Por quê escrevo? Para não morrer sufocada de palavras. Essa é a sensação. Frases que se sobrepõem umas as outras, vagam indo e vindo na mente e precisam ser organizadas. Querer ser escritora sendo brasileira é algo crítico em vários níveis, mas é uma das coisas que mais tem me motivado nos últimos dois anos.

Recentemente também tive a satisfação de escrever um prefácio de livro, o meu segundo trabalho desse tipo. Dessa vez a convite do meu amigo e coach literário Edgar Borges, para a obra Bilhetes de Amores Perdidos, que é essencialmente um livro de contos sobre desilusões amorosas, casos de amor mal acabados, amores não correspondidos, sacanagens explicitas e safadezas honestas. Coisas de um talentoso e inquieto poeta, jornalista, sociólogo, end como já disse coach literário (contém ironia), um grande incentivador para levar meus escritos a sério e produzir com mais frequência e organização.

Ainda sobre a vida literária, tive um conto selecionado para o Dossiê Literamazônicas e uma poesia para a revista Ecos Literatura. Escrevo no blog menos do que gostaria, pois as leituras exigidas no doutorado tomam todo o tempo e ainda precisam ser ampliadas. Me cansa ler em PDF´s, ao mesmo tempo em que agradeço a existência deles, afinal, tornam possível seguir estudando estando tão longe do Brasil.

Completei 10 anos de casada no último dia 19 de junho de 2021 e transcrevo aqui a mensagem que deixei em meu perfil do Instagram: Fomos tantos nesses 10 anos um para o outro e para o mundo. Ouso dizer que o segredo da longevidade de um casal é perceber a mudança do outro e sobretudo, mesmo sem entender direito, apoiar todas as boas novas. Já fui jornalista, radialista, colunista, cerimonialista, assessora, mãe, pesquisadora, escritora, você já foi músico, bioquímico, gestor, conselheiro, pai, nerd estudioso, fomos juntos criadores de cachorro, decoradores de casa, festeiros, anfitriões, genro e nora, imigrantes e tantos outros nós, tantos outros papéis, sem esquecer de ser homem e mulher, um do outro, com respeito e carinho, cedendo, concedendo amor e nos alegrando com cada nova fase e com nosso fruto precioso de seis aninhos, a refletir tantos afetos dessa jornada bonita, que já não se exige perfeita e por isso mesmo é cada vez mais verdadeira.

E assim seguimos nossa jornada migratória.

 

 

 

 

 

 

 

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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