CrônicasVivendo na Polônia

O brilhantismo de Rebeca me faz querer dialogar

Ter senso crítico e consciência social não deve ser confundido com a incapacidade de se alegrar e de ser otimista. Refutar o otimismo, a alegria de viver, a esperança é dar espaço para ações e sentimentos paralisantes, prato cheio para o negacionismo, a ignorância e a falta de sensibilidade empática. Tem gente lutando contra qualquer responsabilidade na busca de diálogo. “Dialogar é o caralho, não sou pago para ensinar o básico de humanidade para gente ignorante por opção. Eu bloqueio e excluo da minha vida mesmo”. Ouvi de um amigo e fiquei refletindo sobre esse posicionamento e sobre minha paciência em explicar realmente o básico para os que usam do pior do senso comum para defender o indefensável, os que se baseiam em mentiras, informações claramente manipuladas para formar opinião.

Eu compreendo quem perdeu a paciência e a parcimônia. Os dias e seus fatos trágicos em várias esferas do Brasil, da pandemia à fome, dos latrocínios à desigualdade entre classes (que só tem aumentado) provocam enorme desgaste emocional e uma quase inevitável radicalização e é exatamente ela que nos paralisa. O problema é que na radicalização a narrativa de eleger alguém ‘fora do sistema’ pareceu a melhor opção para a maioria e foi a pior coisa que poderia acontecer num país que precisava enfrentar o desafio de uma pandemia. Ficamos todos, brasileiros, mesmo os que nem no país estão morando, como é meu caso, ficamos todos a mercê de um incendiário, alguém inimigo da inteligência, da ciência, nada sensível, nada empático, dono de orgulho e arrogância notáveis. O Brasil não pode cometer o mesmo erro novamente.

E por que estou falando de política em plena Olimpíada?  É que fui tomada por uma energia otimista quase incontrolável depois da linda vitória da Rebeca Andrade, essa anja negra tão doce e forte que iluminou nossa manhã aqui na Polônia. Chorei emocionada. Luigi estranhou meu choro de alegria, nossa concentração em frente a TV, ficou até com ciúmes da atleta. O esporte também é político. Ver uma menina pobre e simples vencer, ela que é filha de mãe solo, nascida no subúrbio desse enorme país me faz ter esperança e vontade de dialogar, apesar de tudo. Apesar da cegueira coletiva de parte da população, precisamos explicar as coisas a partir da realidade dura da maioria dos brasileiros. As coisas não vão bem, a fome, esse mal tão antigo de sociedades pouco avançadas, a fome essa inimiga que já não deveria existir diante de um mundo tecnológico em pleno século XXI , é cruel e quem não a enfrenta como prioridade, não serve para o Brasil real.

O Brasil de brasileiras como Rebeca da Ginástica, Rayssa do Skate, do Herbert do boxe, gente simples e brilhante, talentosa, só precisando de uma chance, um investimento, um olhar de cuidado e incentivo, esse Brasil precisa da nossa paciência para o diálogo até encontrarmos um ponto comum, um nome possível e razoável, que tenha a capacidade de gerir com estabilidade e busque curar tantas feridas abertas em tantos âmbitos, da arte à saúde, do meio ambiente à educação.

Respeito muito minhas lágrimas, mas amo minha risada, já dizia Caetano Veloso, por isso escrevo cheia de esperança, deixando a alegria dourada da medalha de Rebeca me alegrar nesse domingo, 1º de agosto de 2021, ano 2 da pandemia.

 

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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