Sendo brasileira na Itália e outras coisas de mulher
Não sei o que eles pensam realmente quando sorriem ao ouvir que sou brasileira! É tipo assim: Brasile. Una brasiliana. Che bello, il Brasile è carnevale, calcio e samba! Sim, o comentário mais clichê do mundo é real. Isso aconteceu no supermercado, na cafeteria, no ambiente acadêmico, em síntese, a referência do nosso país é o samba, futebol, carnaval e claro, a mulher brasileira. Ma quanto sono belle le donne brasiliane!
Fomos a uma festinha de despedida de um professor brasileiro amigo nosso. Tinha gente de vários continentes lá. Reinaldo me contou que na primeira conversa com um dos alunos de doutorado em agronomia, o primeiro comentário do moço foi, claro, sobre o encanto pela mulher brasileira: nas palavras dele, elas sorriem o tempo todo, não são arrogantes, bebem e dançam a noite toda, e são lindas. Olhai, sou eu amor! Não perdi a piada. Exceto por beber a noite toda. Essa eu passo, pois preciso de pouco álcool para ficar alta.
Depois disso fiquei pensando sobre o que é ser realmente mulher brasileira. Em que aspecto podemos encaixar pelo menos a maioria de nós? Além de uma força interior gigante, encontrei a vaidade como fator que nos aproxima, mesmo sendo tão diversas em estilo, jeito, pensamentos e ideologias. Você já somou quanto gasta em serviços e produtos ligados a beleza? E comparou com o valor que você gasta em conhecimento? Ok, não é isso que quero discutir hoje, foi só uma alfinetada. Voltemos para o tema da vaidade. Aqui na Itália, como eu já esperava, me deparei com preços altos para serviços estéticos, como manicure, pedicure, depilação, design de sobrancelhas, cobertura dos primeiros fios brancos. Senti falta da rede de apoio e cumplicidade que quase toda mulher tem no Brasil, aquela mulherada que cuida da gente, se cuida e no fim, cuidamos umas das outras, alimentando essa rede da beleza. Da mais rica a mais simples, somos todas cumplices e temos um jeito bem peculiar de fazer tudo, da cabeça aos pés.
Porém, diante dos preços altos desses serviços por aqui, tive que reaprender a fazer tudo em casa, sozinha e vi que sempre fui totalmente capaz de cuidar de mim. Digo reaprender porque na adolescência e até durante o período de faculdade, eu mesma fazia tudo: pés, mãos, buço, sobrancelha, depilação. Depois de adulta, eu virei escrava de uma rotina de gastos com beleza e estética meio no sense, sabe? Andei refletindo sobre isso. Nós brasileiras somos tão ligadas na questão, que essa coisa louca de postar nas redes sociais #unhasdasemana ou comentar: recuperando a dignidade (ao mostrar as unhas feitas) é comum. Quem nunca? Eu já. E se eu for levar isso a sério estou sem dignidade nenhuma, pois não faço unhas há mais de dois meses! Só corto e tiro os cantinhos, e na real, tá tudo ótimo!
Pra você ter ideia, o retoque da raiz e uma escovinha em qualquer salão por aqui não sai a menos de 60 euros, ou seja, mais de 300 reais. Saí desconfiada, comprei a tinta na farmácia e pensei, é claro que sou capaz. Foi um mini caos no banheiro. Reinaldo e Luigi perguntavam na porta: tá tudo bem ai? Acho que resmunguei alto, por uns 30 minutos. É tudo diferente, os materiais, o cheiro da tinta, o tempo no cabelo, mas no final, sai sem meus fios branquinhos, com algumas marquinhas pretas na testa e sem danos maiores ao banheiro. Como gastei tanto dinheiro com isso lá em Boa Vista? Pensei. Acho que eu tinha mais apego à minha cabeleireira do que ao serviço.
Para fazer as sobrancelhas eu me sento sob a luz do sol, linda e plena pela manhã e sigo o desenho já feito. É terapêutico, gente. Depilação é o que dá mais trabalho. Antes de sair de BV, fiz aquela definitiva a laser e se eu soubesse era tão mais perfeita, permanente e indolor (quase) não teria sofrido mensalmente com cera quente. Que judiação, mulheres, cera é um auto-castigo. Como pude me submeter tanto tempo? Já as pernas e axilas eu tenho me virado com um aparelho elétrico da Phillips, comprado há uns 10 anos nos tempos áureos de Santa Elena. Ele é super prático. Enfim, tudo isso é só pra contar que não gasto praticamente nada (além dos 6 euros da tinta para o cabelo) com serviços de beleza e estética e sigo na boa. Nossa vaidade brasileira nos leva, por vezes, a trilhar caminhos desconfortáveis, quando entregamos nosso dinheiro suado e cada vez com menor poder de compra a serviços que poderiam ser perfeitamente feitos em casa ou nem serem feitos com tanta frequência e rigor.
Poderíamos gastar mais em livros, mais em risos com as amigas na mesa de um café aconchegante ou de um barzinho com música boa. Ou quem sabe fazendo um curso de alguma terapia alternativa, ou talvez promovendo a alegria de alguém que tem pouco ou quase nada para o básico do básico. Quando nos falam: você tem que cuidar mais de você, acho que quase todas entendem ser sobre cuidados estéticos e em verdade o que preenche mesmo é cuidar da alma e da espiritualidade, da nossa individualidade, de nossas dores acalentadas. Desse modo, talvez a fama da brasileira passasse a transcender a beleza e a alegria, o que já não é de todo ruim, mais somos mais que isso. Temos alma de guerreiras antigas. Saiba disso.
Me encontre no Instagram @vanessabrandao
Sobre a questão da identidade cultural: lembrei lá das aulas do primeiro semestre discutindo isso. Quem é o brasileiro mesmo? Eu ouvia a mesma coisa ali na Venezuela e olha que tá bem do lado.
Sobre o processo de economizar e como economizar: ri um bocado imaginando marido e filho batendo à porta. hahahaha
Parabéns pela estranheza no olhar.
Ver quem é o brasileiro no olhar do outro é sempre interessante, assim como enfrentar essa estranheza. O novo nos motiva, mesmo que seja meio incomodo no início. Abraço, Edgar.