CotidianoCrônicas

Sobre remédio em forma de gente e coisas obvias sobre homossexualidade

Se você tem filhos, um dia ele vai ver duas pessoas do mesmo sexo se beijando. Pode ser na TV, na rua, no shopping, em algum filme, fato é que ele (a) um dia verá e você pode agir de duas maneiras: naturalmente, explicando (caso te pergunte) que algumas pessoas preferem assim e tá tudo bem, é normal ou pode fazê-lo entender que é errado, feio, falta de vergonha na cara, pecado etc. Optando pela primeira possibilidade seu filho ou filha não será influenciado de modo algum. Seguirá sua tendência biológica e saberá que a sociedade é diversa, como de fato é.

Optando pelo segundo comportamento você corre o risco de preencher seu filho com aquilo que encontramos todos os dias em todo lugar, mas que quase todo mundo nega ter: preconceito! Além de medos, raiva, quem sabe muitos traumas caso um dia ele se descubra lá na frente uma pessoa homossexual. Ele sofrerá primeiramente de forma silenciosa, o mais temível dos sofrimentos e a culpa será, a priori, da sua não aceitação pré-declarada lá atrás, num dia qualquer quando viram duas pessoas do mesmo sexo se beijando ou de mãos dadas.

As consequências desse engodo você já deve imaginar. Mas aí muita gente pensa: ah, meu filho (a)  não tem a menor tendência à homossexualidade, então não corre o risco de sofrer! Engano seu pois uma atitude preconceituosa coloca em risco não somente nossos pequenos, mas também os netos que um dia possamos vir a ter e a rede da maldade seguirá firme, subjugando todos os que nos rodeiam, os primos, filho do seu melhor amigo, sobrinho, vizinho etc. Creio que todo mundo tenha algum homossexual na família e precisamos defendê-los, respeitando o  direito de ser livre e estar publicamente com quem se ama. Quebre a corrente do ódio velado, disfarçado de “moralidade” ou “pudor”. Se ainda não consegue entender que o amor se apresenta de diversas formas, apenas silencie. O bem também está no silêncio, quando ainda não há maturidade e ou capacidade de compreensão.

Escrevo aqui no Minha Janela depois de alguns dias de abandono, por pura falta de inspiração, tempo, serenidade. Mas hoje eu precisava falar sobre pelo menos um dos absurdos da semana. A dissertação e seus desdobramentos tem me tomado todo o tempo, neurônios e paciência e ainda tenho que editar um artigo para possível publicação em livro, o que me alegra, mas ajuda a tirar o sossego também. Além do contexto acadêmico vibrando a todo vapor ou pavor, recebo com estranheza e tédio as notícias nacionais, o retrocesso absurdo nos princípios de cordialidade internacional, na gentileza com outras nações e seus representantes, a banalização da má educação e assim vai, uma lista de insatisfações em vários níveis.

Pulando essa parte, os dias em Roraima têm me feito refletir sobre vida, educação do filho, amizades, família, saudade e um mundo de informações que me levam ao extra físico. Se a gente parar e perceber os sinais que a vida nos trás por meio da voz do outro, é sublime e leve aprender. Esses dias estive com uma grande amiga com quem morei na época da faculdade e nossa conversa de algumas horas me valeu meses de aprendizagem. Entre tantas coisas que não cabem neste espaço, ela disse que encontrar amigos antigos faz parte de um processo maior de cura e isso é muito real. Se cada pessoa que entra em nossa vida é dotada da tal missão secreta de nos ensinar algo, ficar atento aos detalhes, juntar os pontos é puro amadurecimento. Tomamos três caipirinhas de vinho cada uma e ainda comemos uma isca de peixe. Fui dormir alegre, engraçada e passei mal de madrugada (a intenção não era rimar, mas agora já foi) como que seguindo o roteiro secreto de cura até o fim.

Por que não me permiti por tantos anos de casada estar com mais assiduidade na vida de algumas pessoas com as quais me identifico tanto? Por que me dediquei tanto ao trabalho, ao filho, ao marido e menos à familiares que por vezes talvez tenham precisaram de mim. Ainda sinto a necessidade de criar na minha rotina aquela velha visita sem motivo aparente à minha madrinha, ao meu padrinho, a visita para ouvir com calma as histórias do meu avô, as pequenas e secretas mágoas da minha avó. Isso é tão precioso e talvez seja cura para dias tensos de discordância política e para o medo de nos tornarmos um país cada vez mais dos poucos que têm muito e dos muitos que têm pouco.

Nos últimos quatro dias recebemos minhas três tias em casa, as irmãs do meu falecido pai. Elas vieram de Manaus com minha irmã, de carro, se aventurando por essa BR-174 e em vários momentos desse nosso convívio eu percebi esse tal valoroso processo de cura e de ciclo de fechando, de energias sendo transmutadas em lembranças afetivas, calmamente em uma noite morna desse quase verão roraimense, na praça do Mirandinha, no Lago do Robertinho diante das gracinhas do Luigi que até comeu uma piaba viva para aprender a nadar e evitar afogamentos, conforme manda a tradição familiar. É bom estar com os nossos ancestrais nessa teia invisível chamada família e amigos, aliás, é fundamental para não pirar e seguir adiante. Chame os que gostam de você e se proteja, nem que seja para fazer um nada juntos.

PS. Eu tenho muitos planos para esses espaço, mas deixa eu finalizar essa dissertação.

Agora segue um poema inocente, bobinho, escrito aos 26 anos, sobre amizade.

 

Ela diz verdades doloridas

Eu olho para os lados desconfiada

A raiva começa a transbordar leitosa e calma

Mas ela é só minha amiga (penso)

E amigos nem sempre falam a verdade (diz o ego)

Antigos passeios

Antigas conversas

Antigos cigarros jogados fora pela metade

Tudo guardado em algum lugar do coração

Em uma cidade distante da minha

Uma vírgula nervosa

Um amor que não se toca

Mas se ama

Uma cara amarrada

Uma risada de graça

Alguém sempre ali

No porre, no gole a mais

Cadê? Não volta mais não!

Só dá pra lembrar assim

Quando toca aquela música

Da vontade de ser uma vida de novo

Mas agora são duas

E temos que continuar a escrever

VB

 

 

 

 

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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