CrônicasVivendo na Itália

Sobre costumes diferentes e problemas iguais

As senhoras andam de meias negras, discretos sapatos de salto, echarpes finas ao redor do pescoço, maquiagem discreta, porém uniforme, elegante. Saem com seus cachorrinhos ou com suas bengalas para comprar pão, ir à missa, conversar com alguns outros idosos nas calçadas, cafés. Vestem-se geralmente de preto, com algum detalhe discreto colorido. Não costumam sorrir para estranhos. São geralmente muito sérias. A Europa envelheceu há tempos. Escuta-se ambulâncias perto e ao longe, frias e estridentes, diversas vezes ao dia. Imagino que na maioria das vezes sejam eles, morrendo… a melancolia passa furtiva quando penso nisso, porém, é a corrente natural e inevitável da vida, estamos todos morrendo, não é?

Aqui em Foggia a presença de imigrantes é frequente. Assim como em Boa Vista e Manaus com os Venezuelanos, aqui temos os africanos, sírios, libaneses e outros, nos sinais da cidade, limpando para-brisas de carros, nos supermercados, se oferecendo para carregar as compras, nos cafés, vez ou outra pedindo um trocado. A colônia volta ao colonizador para dizer que as coisas estão bem mal por lá e aqui, mesmo que em subempregos, a vida é melhor. Os motivos são os mais variados possíveis: guerra, catástrofes naturais, miséria, falta de perspectiva. Poucos são os que vem para estudo, como é o nosso caso. Mas sim, somos todos imigrantes e nos encontramos na sala de espera da ‘comune’, a repartição pública onde se tira identidade italiana, registra-se residência e outros serviços burocráticos. Os Italianos, mais do que os brasileiros, acredite, gostam da burocracia, das cópias que depois de arquivadas, nunca serão tocadas novamente, a não ser pelo tempo e poeira. Seguimos vencendo a burocracia, mas ainda faltam alguns passos.

Imigrantes de diversas partes do mundo aguardando atendimento na Comune de Foggia

Na repartição pública os cães também entram com seus donos e ficam na fila, aguardando pacientemente. Já falei do amor dos italianos pelos cães no post anterior, ok. É que isso é tão legal, tão acolhedor. Sem dúvida um sinal de evolução social, o amor pelos bichos. Ou é o acirramento do individualismo que nos faz preferir conviver com um cão do que com gente? Tratar melhor um cão do que outro humano, é estranho? Não sei. Preciso problematizar e refletir mais sobre isso.

Cãozinho na maior paz, aguardando sua humana resolver os pepinos cotidianos

Estou frequentando as aulas de antropologia aplicada, no mestrado de Cultura e Educação. A minha supervisora é a professora doutora Francesca, um doce de italiana. Tem por volta dos seus 45 anos, sorriso sempre no rosto, elegância e simpatia num corpo alto e meio fofinho. Ela estudou os guaranis, na Bolívia, conheceu Santa Henela, na Venezuela e o Monte Roraima. Contei sobre as lendas de Makunaima e seus olhos brilhavam. Fala espanhol e português e me ajuda. Minha comunicação ainda é falha em Italiano.

Ao fundo, professora doutora Francesca. À esquerda os alunos e à direita, minha mesa
Biblioteca em sala de aula

A configuração da sala é tão diferente da nossa e apesar de ser uma universidade de uma pequena cidade italiana, a estrutura é louvável: pequena biblioteca em sala, computador de mesa e impressora, mesas de escritório, equipamento multimídia completo e um lindo janelão que fica aberto para o sol da manhã, o qual ilumina a professora, poderosa, falando e falando e os alunos anotando freneticamente.  Ela faz perguntas que ninguém sabe responder. Somos sete alunos apenas em sala. O silencio persiste alguns segundos, rostos levemente constrangidos, um murmúrio de resposta. Ela corrige elegantemente e continua a falar, com as mãos e com a boca, voz grave… Eu não compreendo 100%. Ok, sendo sincera, só compreendo 70% do conteúdo. Espero em dois meses aumentar essa média.

Fachada do prédio de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Foggia

 

Pátio interno da faculdade

 

Não vou contar tudo de uma vez só, não! No próximo post falo sobre o Luigi e sua adaptação, o casamento e sua adaptação, minhas caminhadas e descobertas no fim da tarde e os medos, que sempre sopram nos ouvidos. Até segunda!

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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Vanessa Brandão

4 thoughts on “Sobre costumes diferentes e problemas iguais

    • Vanessa Brandão

      Edgar, incentivador geral de leituras e escritas, obrigada, amigo.

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  • Kkkkk O Ariano Suassuna disse algo assim: eu odeio eletrônicos, eles sentem e me odeiam de volta! Kkkkk Obrigada por postar o texto, para nós analógicos, apesar do problema tecnólogico. Beijo!

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    • Vanessa Brandão

      Uma analógica em luta por não ter que pedir ajuda ao filho de quatro anos rsrs. Obrigada pela leitura, Cris.

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