#35 Sobre férias pandêmicas no Brasil e o que ainda temos de bom
O que fazer com três meses de férias em pleno verão europeu? Nossos planos eram conhecer a Croácia, Grécia, Bulgária e outras cidades turísticas na própria Polônia, porém, no meio do caminho tinha uma pandemia. Tinha não! Mesmo que na Europa as coisas estejam mais calmas e as pessoas estejam curtindo desde o início de julho como se não houvesse amanhã, a doença persiste e recentemente os novos casos voltaram a aumentar. Mesmo sabendo que as coisas no Brasil ainda estão longe de se acalmar, ou talvez justamente por isso, decidimos aproveitar a oportunidade de ficar perto de nossos familiares nesses próximos meses.
Primeiro com a família do Rei, no litoral do Paraná, depois seguiremos para meu Roraima. A viagem até aqui não rolou sem medo. Dentro do voo, absorta no cansaço, fiquei pensando: que passionais somos nós, nos arriscando em viagem tão longa, cansativa, com nosso filho. Mas a verdade é que diante de toda essa mudança global, reforçamos a ideia de que o que importa mesmo são as relações que levamos com as pessoas que amamos. Ver tanta gente partindo nessa pandemia nos fez refletir ainda mais sobre a importância de estar perto. Entre gastar nosso dinheiro curtindo as férias na Europa e economizar pertinho dos nossos, optamos sem dúvida por estar aqui. Se as aulas seguirem on-line até o próximo semestre, conseguiremos ficar até o carnaval, quem sabe, mas aí já é meu otimismo falando alto.
A viagem foi cansativa. Eu deveria ser apenas grata por estar aqui, mas quero me permitir reclamar só um pouquinho: o que as cias aéreas fazem com os clientes é cada vez mais assustador. Quem acha que tem segurança em voo se engana. Fileiras alternadas? Distanciamento? Não existe. A obrigatoriedade de máscara é a única exigência. E diga-se de passagem, é quase insuportável ficar mais de 17 horas de voo sem poder tirá-la. Meu rosto está inchado, as orelhas irritadas, o sono todo bagunçado. O medo de ser contaminado, as pessoas não respeitando distanciamento, o espaço diminuto entre uma poltrona e outra, o banheiro cada vez mais apertado e sufocante e no final, minha mala extraviada sabe-se lá onde. Tudo isso me deixou confusa e exausta. Só agora pela manhã, mesmo ainda tonta com o jetleg, consegui respirar parcialmente aliviada. Acordamos 5h, com Luigi ansioso (e perdido nos horários) querendo ver o mar. Por sorte, em pleno inverno brasileiro, o céu está limpo e o sol nasceu esplêndido.
Agora, enquanto escrevo, ouço o barulho das ondas, esse mantra transcendental, que tanto nos motiva. As pessoas no condomínio quase vazio passam e sorriem, dão bom dia, puxam assunto. Saudade dessa conversa fácil. Desde o aeroporto de Guarulhos, quando fomos fazer o registro da mala extraviada, conversamos com estranhos. “Tive que vir da Itália para cuidar da minha mãe, que bateu o joelho”, disse uma senhora de meia idade puxando assunto conosco. “Eu fui comprar roupa para revender, mas me arrependi, menina!”, nos contou a outra que também esperava. A aeromoça batendo maior papo com Luigi, o moço do Uber contando sobre o amigo que tá morando na Polônia também, o senhor do hotel que nos viu conversando com a camareira e já veio contar do coronavírus e assim vai, impossível não se sentir acolhido por aqui. Tão diferente da indiferença da maioria dos europeus, discretos e sóbrios com as palavras. Gosto dessa comunicação fluída, tão nossa. Não me iludo, porém, com o mito do brasileiro manso e cordial. Faço minha crítica à corrente de preconceitos e ódios velados que tem se mostrado cada vez mais forte nos últimos anos.
Escrevo essa crônica bastante confusa. Reinaldo toca guitarra aqui na sala, o sol voltou a bater forte e nos ilumina, Luigi brinca com a espada que a avó guardou desde a nossa última passagem por aqui em dezembro de 2019. Estamos cumprindo nossa quarentena no pequeno apartamento da praia, só então poderemos ir para a casa dos sogros, que fica nesta mesma cidadezinha, porém, em área mais central da cidade. Guaratuba tem 34 mil habitantes, fica na divisa entre Paraná e Santa Catarina. Por aqui, poucos casos de Covid-19. Praias são liberadas nos dias de semana e fechadas aos finais de semana para evitar que o turista desça para cá. O apartamento é decorado de um lado com figuras de piratas e peixinhos do mar e do outro, com artesanato indígena comprados em Roraima, onde meus sogros moraram mais de 30 anos. Retornaram ao Paraná quando nós decidimos ir embora de Boa Vista.
Em nossa chegada, nesse 02 de agosto de 2020, nos deparamos com uma casa toda arrumadinha para a gente, com roupas e pijamas quentinhos, lençóis e travesseiros limpos, geladeira cheia de guloseimas. Até goma de tapioca eles conseguiram achar. Sem falar na feijoada, prontinha na geladeira para o almoço de hoje. Tive muita sorte com os sogros também, é fato e sou grata por isso. Chegando em Roraima sei que a recepção será a mesma. Saudade estou desde sempre dos carinhos de minha mãe. Estou há oito meses sem dar um abraço apertado em dona Luiza,que aliás, só ficou sabendo que vínhamos para o Brasil ontem, quando chegamos. A bonita teve crise seria de ansiedade da última vez que viemos de férias. Nessas idas e vindas percebo a intensidade em tudo e todos. A saudade e o medo de perder alguém nos fez olhar para os nossos familiares com mais compreensão, tolerância e amor, buscando aceitar cada um em sua integridade de ser. Fazer isso na convivência diária nem sempre é fácil, mas sugiro que se tente. Esse é o maior desafio humano: viver em harmonia com as pessoas, enquanto o mundo nos sacode de um lado para outro.
Show de crônica de viagem. Nunca tinha pensado nisso do tempo de usar máscaras nos aviões.
Ah, sobre os preconceitos e ódios: eles não estão mais velados. Estão expostos e exibidos .
Excelente texto
Seu blog é um sucesso, muito completo. Ahhh quando a paixão está lá, tudo é 🙂 Cornie Gabriele Lucilla
Grata pela leitura, querida. Volte sempre por aqui.