Mudam as estações e a vida
Estive olhando fixamente para as folhas das árvores em busca de captar o momento exato da troca de estação, que oficialmente começa em 22 de setembro para os humanos. Algumas árvores, no entanto, já receberam o aviso divino para a desconexão. Me custa acreditar que cada uma das trilhões de folhas verdes terá seu sustento encerrado, ficará fraca, passando de verde para o tom amarelado, laranja e num momento silencioso qualquer, incentivada por um vento amigo, se soltará do seu talo já desnutrido e repousará lentamente no chão.
Como ferida na pele, um ponto amarelo amarronzado domina as folhas de algumas espécies, mas o verde ainda impera no chão de grama e na maioria das árvores. O outono é iminente e empresta uma metáfora para a vida. Metáfora um tanto gasta e já muito comentada na literatura mundial, mas tão forte e evidente que não consigo deixar de refletir sobre ela e vivencia-la. É sobre a passagem, a mudança, o transformar das coisas em questão de meses, dias, horas. A todo momento tudo pode “não ser mais” ou “vir a ser”. Nós somos amorosos e resilientes numa tarde para sermos irrequietos e afoitos na tarde seguinte, estando sob o mesmo teto, o mesmo cotidiano, as mesmas diretrizes de vida. Mesmo assim, ela vem, a mudança vem como febre, muda e ativa, guiada talvez pelos mistérios do nosso subconsciente, desejos recônditos, moradores da memória eterna da alma. Somos outra de um momento para outro, depois de algumas sinapses a mais ou a menos e ao ver a mudança de estação me surpreendo com a força absurda que tem o que é vivo. Ao ver a natureza operar sua força diante dos meus olhos, sabendo que em poucos meses tudo passará de verde à laranja, depois ao branco da neve me fazendo sentir em minha pele o sopro frio e impiedoso de outro vento a me empurrar para dentro de casa, me fazendo depender de outras camadas de roupa, tecidos, plásticos para existir nele, apesar dele, eu percebo minha pequenez humana e minhas verdades todas sendo relativizadas. Por um instante sou parte de um todo, organismo vivo e com propósitos muito além de minhas ilusões de controle.
Parei o patinete diante do salgueiro chorão, árvore de rara beleza, muito comum nos parques de Lódz, ligadas ao feminino, consideradas sagradas pelos Celtas, associadas historicamente às bruxas. As folhas pendem para o chão, finas em seus galhos a balançar fazendo a dança do vento. Algumas já se soltavam dos talos, rodopiando serenas e apesar de todo ceticismo que tenho enfrentado nesses tempos, após leituras reveladoras que me fazem olhar desconfiada para todas as religiões, eu senti claramente um dialogo aberto com aquela velha senhora árvores bruxa, a despeito de minha racionalidade acadêmica já apitando para que eu saísse do lugar e voltasse ao plano das coisas ditas reais. Fiquei ali parada, olhando as folhas, imaginando-as conscientes do fim de mais uma estação, esperando a morte, o desintegrar-se na terra para alimentar a mesma árvore, tão logo a força arrasadora do inverno vá embora e a primavera chegue, empurrando brotos verdes em galhos secos, transformando novamente a velha árvore mãe numa bela senhora a ostentar vasta cabeleira verde. Somos meio folha também e é preciso deixar vir cada nova estação, sem apegos, só transformação.