CotidianoCrônicas

A virose de todo mês ou dias vermelhos

Tempo para escrever? Três minutos e meio enquanto dura uma música específica, que dá coragem. Eu achava que estava com virose, mas estava só com TPM. Pode falar sobre isso aqui? TMP? Menstruação? Nunca se sabe quando os assépticos da moral e bons costumes irão atacar, por isso a pergunta.

Eram só dores no corpo. Uma dor fina, desequilibrante, mas leve, não era incapacitante. Não era preciso ir ao médico, nem faltar ao trabalho, mas ela estava lá, fina e presente, me lembrando “nasci mulher”.

Deveríamos ser poupadas do mundo nesses dias. Poderíamos ficar cor de rosa e ninguém conosco mexeria. Nem diriam desaforos, nem desafiariam, nem olhariam torto, porque realmente é grave uma mulher de TPM. Releve, ela pode te fazer um mal danado hoje. Acolha, abrace, seja cumplice.

Eu sou do tempo que quando se menstruava, a mãe chamava no canto e explicava o que era bem baixinho. O absorvente era comprado discretamente e colocado em um papel daqueles marrons, afinal sacola plástica transparente denunciaria sua condição: ela derrama sangue.

Mas eu não queria ficar quieta não. Corria pela fazenda, continuava brincando com os meninos, alheia a minha condição de mine mulher. Aí veio a cólica. Ruim, eu definhei. Pensei: mas e aí? É isso todo mês? É sim! Disse mamãe.

E só pra vocês que não sabem, saibam: não é só antes o difícil. Sangrar, sangrar e não morrer nos custa caro. Custa comprar uma roupa no impulso, um sapato meio apertado, um batom ou um pedaço do bolo mais bonito. Nos custa amizades desfeitas, casos mal terminados, brigas em família. Todas as verdades escorrem vermelhas e as pessoas de afastam. Nem sempre, nem todo mês, mas as vezes é assim e sem aviso.

E não sabem como fazer um absorvente certo. Que não nos machuque, que não incomode. Incomoda é tudo. E não falamos nisso nunca, nem pro terapeuta, porque os pormenores, por dentro e por fora, ninguém vai entender nossa pequena batalha. Engraçado é que nesse mesmo sangue que se esvai, se faria vida! É sim! O sangue que revestia o útero que geraria a vida, desse jeitinho.

Essa capacidade de silenciar na dor da cólica, na dor de cabeça, dor nas pernas essa nossa capacidade viva, nos faz desenvolver desde muito meninas, uma resiliência sabida, uma grata resiliência, que nos deixa fortes pra sobreviver, apesar de todos e com todos os pesares, de salto alto e sem deixar de lado nossos pequenos prazeres ocultos. E me deixe que hoje eu vermelha.

Já dizia a poeta, “Há que se ter cautela com esta gente que menstrua…” .

 

Escrito em 17.09.18

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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