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Decisões e reflexões sobre o Natal e aleatoriedades da vida

Hoje é dia 24 de dezembro de 2022. O quarto Natal longe da minha mãe, irmãos e demais familiares em Roraima. Reinaldo e Luigi acordaram animados e eu, apesar de singelamente feliz, estou fortemente gripada. Adoeci duas vezes este ano: Covid, logo após meu aniversário e essa gripe polonesa em plenas festas de fim de ano. Não poderei sequer tomar meu vinho em paz. Vou colocar no Google: “faz mal tomar vinho gripada” e vê se acho alguma coisa positiva.

Devo me sentir culpada por ter trazido a única criança das famílias Nascimento Brandão e Mazzini Costa para longe de todos? Cadê meus sobrinhos? Eu não tenho nenhum. As pessoas estão cautelosas antes de ter filhos e não estão erradas. Quem diria que em pleno 2022 a Europa ainda viveria uma guerra e haveria ameaça de conflitos armados e outras guerras no oriente.  Quem diria que o fanatismo político transformaria amizades e festas familiares em campo minado? Aqui de longe vou vivendo gotas de alegria: Marina Silva será a ministra do Meio Ambiente, Haddad será ministro da Fazenda e Silvio Almeida dos Direitos Humanos. O ministro da educação será um cearense massa e as bolsas dos pós-graduandos será finalmente reajustada pela Capes, é o que dizem.

Eu finalizei o segundo ano do doutorado, meu filho está na segunda série, Reinaldo está no quarto ano do curso dele e estamos todos um pouco loucos com os estudos. Cada um enfrenta seus desafios com a língua, a distância, a rotina. O inverno começou e sinto falta do sol, meu clichê favorito. Quando neva é lindo, quando a neve começa a derreter é um caos. Quando chove fino e faz frio de 1°C eu sinto ódio por não ter um carro e prometo que vou comprar um antes do próximo inverno, aí vejo que o trem nunca demora mais de três minutos para passar e eu esqueço de querer dirigir.

Eu não quero fazer um longo relato avaliativo de 2022 com mensagens motivacionais de esperança, mas coisas legais aconteceram este ano: passei quase três meses no Brasil com minha mãe e cia, tomei banho no rio Negro e no rio Branco e em um igarapé, tomei muito sol, vi muita chuva forte, matei a saudade das amigas. Isso tudo assume um valor enorme quando se mora longe. Também lancei um livro, o primeiro, o mais difícil de sair, aquele que a gente quase recolhe antes mesmo de dispor para o mundo. Lancei em Roraima, na terrinha, claro. Agora preparo uma segunda edição para a Amazon na tentativa de expandir o mercado. Outra decisão boa foi a de ter novamente um cachorro. Albert Einsten chegou com três meses espalhando amor e bagunça em nossa rotina. Me senti mãe de criança pequena novamente, levando para vacinar, tirando documentos, tentando acertar na alimentação. Ele é esperto, adora meias e me segue pelo apartamento da hora em que acordo até a hora em que me deito, com olhos atentos e uma curiosidade tão enorme quanto o nome de sua raça: West highland white terrier. Um estrangeiro das terras altas da Escócia dentro da minha casa, um aliado contra a solidão invernal.

Eu sei de poucas coisas atualmente, uma delas é que gosto de família grande por perto. Gosto de ser família grande, com todos os conflitos inerentes, com todos os afetos e abraços. Não quero estar longe para sempre, eu quero voltar e estar perto. Por causa da gripe forte, Reinaldo assumiu a cozinha, está empenhado em temperar o peru e fazer a comida toda. Comprou velas perfumadas e colocou músicas natalinas para tocar, compelido em criar um clima bom. Ele é bom, meu companheiro é uma pessoa boa e eu tenho muita sorte.

Já comentei no Instagram que minha inspiração para a escrita não estava fluindo depois do lançamento do Entre Pinheiros e Caimbés e até me surpreendi por escrever esse texto desconexo nessa manhã chuvosa, mesmo gripada. Era só para dizer que ano que vem é ano de qualificação no Doutorado, ou seja, dias de muita leitura e escrita acadêmica, mais horas dedicadas, mais prazos apertados, mais aulas de inglês e para sustentar tudo isso, autocuidado se faz muito necessário. De tanto refletir e problematizar as questões do mundo e especialmente do Brasil, saio de 2022 cansada, exausta e estar doente nos últimos dias do ano me mostrou isso. Cuidemos uns dos outros, cuidemos do nosso corpo e mente ou nada pode ser criado.

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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