CotidianoCrônicas

Um susto na chegada ao Brasil

Família amada em dia de passeio e conversas

Coração de mãe, maravilhoso, que sempre cabe mais um, também guarda mistérios e pode nos dar sustos e mudar planos. A ideia seria vir para o Brasil para terminar a dissertação e ficar um pouco com a família. Antes de chegar em Roraima, fazer uma parada em Manaus, onde minha irmã mais velha mora há um ano. Mamãe, irmão e cunhada vieram nos encontrar e estávamos com planos de vários passeios, apresentar Luigi para família Brandão, comer muito peixe assado, x-caboquinho, mostrar botos para o Luigi, o encontro das águas, as cachoeiras de Figueiredo, ver algo no Teatro Amazonas, curtir as amigas que por aqui moram.

Quando cheguei a Roma para pegar voo para o Brasil a minha irmã me liga dizendo que a minha mãe, sempre tão forte e disposta, estava internada no hospital por conta de uma alta de pressão com arritmia cardíaca e uma tal de fibrilação atrial. É assustador receber notícia do tipo, principalmente quando se está longe e já morrendo de saudades de todos. Nosso passeio em Roma foi por água abaixo, não quis mais visitar nada.

No dia seguinte embarcamos para o Brasil, eu e Luigi, em nossa primeira viagem sozinhos. É também a primeira vez, depois de casados, que vamos ficar longe do Reinaldo por alguns meses, muito difícil pra mim e principalmente para o Luigi, bem apegado ao pai. Um turbilhão de emoções, pois como se já não bastasse o medo da mamãe piorar, outros medos e dúvidas brotavam aleatoriamente da cartola gigante da insegurança nas longas 12 horas e 30 minutos de voo entre Roma e São Paulo, depois mais 3 horas e 30 minutos de voo até Manaus. Ficar longe dos que amamos vale a pena por uma tão falada qualidade de vida? Projetar uma vida longe dos nossos tem algum sentido, em nome da boa educação, busca por conhecimento, segurança? Isso tudo não seria possível estando mais próximo, pelo menos no Brasil? Dúvidas, dúvidas acalentadas, pois Reinaldo está lá, estudando, focado em uma prova importante para definir nosso futuro fora do Brasil, não seria nem justo inserir tantas perguntas na cabeça já bem resolvida dele.

Chegando a Manaus foi lindo ver Luigi emocionado reencontrando a madrinha/tia e o tio , ele sentiu imediato a ausência da vovó, internada no hospital. No dia seguinte finalmente abracei minha mãe amada, com aparência tão frágil, quanto amorosa, o meu adorado porto seguro. Ela  teve alta e veio pra casa, quando Luigi a viu, mais emoção ainda pro pequeno e para ela, lindo e terno vê-lo aprendendo a lidar com aquele choro de emoção, lábios tremendo, olhos enchendo de lagrimas, abraço apertado, corpo meio sem jeito, uma beleza inenarrável esse amor de neto e avó. Depois disso passeamos, fomos para almoço com as tias e primas amazonenses, fomos à Ponta Negra e quando achávamos que tudo estava bem e calmo, ela tem outra crise de pressão alta e voltou para o hospital no meio da madrugada. Medicamento, observação e casa. Consulta com o cardiologista já estava marcada, mas outra crise de pressão no dia seguinte a levou ao hospital novamente e lá ficou internada por dois dias, investigando a fundo o que causou tudo isso. Enzimas cardíacas alteradas, pressão controlada, mas ainda um pouco preocupante.

Minha mãe é uma pessoa muito querida por todos e sempre a que cuida de todos também. Quando alguém assim adoece, todos ficam meio perdidos e reflexivos, amigos e familiares, é a vida lembrando o quanto é frágil e que o corpo não é casa sempre segura, precisa ser bem cuidada. Ela precisa mudar definitivamente e radicalmente a alimentação, emagrecer, cuidar da mente, pois o médico levantou inclusive a possibilidade disso tudo ter sido uma grande crise de ansiedade generalizada, já que o ecocardiograma e elétrons nada apontam no coração.  Teve alta hoje, mas com a certeza de uma rotina de médicos e exames e eu nem sei quando vamos para Boa Vista, nem sei que dia vou retomar a minha dissertação, estou há duas semanas sem escrever uma linha e só penso em voltar à normalidade, essa mesma normalidade que por vezes esquecemos de agradecer, de dizer “Deus, grata pela normalidade das coisas, pela saúde e tédio do dia de hoje, pela vida correndo lenta e devagar, cheia de coisas para resolver, isso é nosso bem mais precioso, amém.”

 

 

 

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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Vanessa Brandão

6 thoughts on “Um susto na chegada ao Brasil

  • Nossa, tenso, muito tenso esse estado de tua mãe. Tenso também isso de estar nesse turbilhão no meio de um momento de afastamento do companheiro de vida. Mas foca no velho refrão e tudo pesará menos: despues de la tormenta siempre llega la calma.
    Força!

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    • Vanessa Brandão

      Grata, Edgar. É um turbilhão mesmo. Seguimos firmes por aqui. Grande abraço.

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  • Um aperto no peito enquanto lia seu texto.Feliz por tudo esta bem.Amem.

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    • Vanessa Brandão

      Aline, obrigada pela leitura. Foi de dar aperto no peito mesmo. Mas agora tudo está bem, graças a Deus.

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    • Vanessa Brandão

      Obrigada, Leila! De verdade, isso me incentiva muito.

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