CrônicasVivendo na Polônia

Reflexões sobre beber, perder peso e viver um bom domingo no parque

Cada estação, uma paisagem diferente. Vejamos como vai ficar esse lugar na primavera.

Hoje é domingo, 20h e tomo vinho para escrever, uma rotina boa e há tempos almejada: uma taça e uma lauda de texto. Mais do que isso é difícil de alguém ler, dizem. Mais que uma taça se perde o tino, o que as vezes é bom, mas nem sempre. Aos 36 a gente adoece com álcool. Digo a gente porque Reinaldo diz a mesma coisa sobre os efeitos de uma noite de bebedeira. É, não somos mais jovens, definitivamente. Dá um cansaço de corpo e alma no dia seguinte. Dá enjoo, sono, desesperança. Acho que é isso, fico sem esperança quando estou de ressaca e isso é mal. Somos só nós três aqui na Polônia, ou seja, sem bebedeiras, sem baladinhas em casal, abrimos mão disso conscientemente.

Aos 36 prefiro caminhadas ao lar livre e comer bem. Ok, o objetivo esse ano também é melhorar minha relação de paixão total com a comida e ressignificá-la em minha life, para poder voltar a ser como eu realmente me vejo e ainda me vejo a menina morena magrinha, que veste calça 36.

Meu olhar sobre mim parou no tempo. Parei em mim desde 2007, quando voltei de Manaus e conheci o Reinaldo naquela rave (um dia escrevo aqui sobre meu encontro de alma com o Rei, tão logo ele consiga não ser tão metódico e chatinho por uns três dias). Eu pesava 58 kg de imaturidade e hoje, com 12 quilos a mais, vestindo 40 ou 42, ainda tenho o impulso de pegar a roupa P na loja. À medida que as responsabilidades foram aumentando, meu peso foi aumentando também e parar de comer o que gosto não fazia o menor sentido.

Hoje faz, mas não parei ainda não kkk. A busca pelo prazer imediato proporcionado pela comida é algo viciante, principalmente quando nosso paladar é propenso ao doce. E não adianta quererem demonizar isso, as sensações de bem estar são reais. O grande lance é se observar, se conhecer, se entender nessa relação e assumir a nossa responsabilidade, percebendo inclusive quando é preciso buscar ajuda, quando não se consegue sozinha. E muitas vezes a necessidade psicológica/fisiológica é tão grande que comer grelhados e salada no almoço e jantar parece piada.

Depois do Luigi nunca mais fui a mesma, nem de corpo, nem de gosto, nem de hábitos e nem de alma. Melhorei muito depois de virar mãe, sou uma humana bem mais evoluída, bondosa, me acho realmente alguém legal e quero perder o peso adquirido na maternidade no meu tempo, conhecendo os meus processos, sendo caridosa e resiliente diante das derrapadas. Hoje não deixo mais ninguém interferir nisso, nem Reinaldo, meu fiscal em forma de marido. A sinceridade dele sempre foi importante pra mim, mas o nível de criticidade de um virginiano pode ser prejudicial se você deixa ele correr solto. É preciso dizer não! “Não fale mais sobre comer ou não comer, é uma decisão minha. Não fale mais sobre peso, sobre gordurinhas”. Se você quer ajudar alguém a emagrecer, incentive-a a ir para a academia, vá junto, chame-a para correr, para fazer trilha, chame-a para dançar, caminhar, jogar tênis ou qualquer coisa do tipo, só não encha a droga do saco, tornando o processo mais difícil do que já é, afinal, mudar pelo outro é sempre temporário, mudar por si é perene.

Bem, eu nem ia falar sobre peso quando comecei esse texto, mas o assunto veio naturalmente, sinal de que é algo importante nesse 2020. Segunda-feira (20.01) eu vou finalmente à academia começar minha vida fitness na Polônia. As academias são aqui perto de casa, vamos visitar ambas para ver em qual eu me sinto mais a vontade. Reinaldo explicou que aqui não tem instrutor e que cada um se vira com seu treino e tudo bem, eu tô achando ótimo, afinal, eu só sei falar obrigada em polonês, de que adiantaria um instrutor? Eu estou achando interessante ser a estranha que entra muda e sai calada da academia, já que passei a minha vida inteira tagarelando entre um exercício e outro. No fundo eu sempre achei chato conhecer metade das pessoas saradas que estavam nesses ambientes. Academia é um lugar que sempre fui me arrastando e me esforçar para ser a miss simpatia era um peso a mais nos pesos que eu já tinha de levantar.

Mudando de assunto, hoje fomos a um parque aqui em Lodz. No inverno a natureza se despe, se desnuda de toda beleza verde e se apresenta em todo seu fúnebre marrom. A névoa suave e gelada dá o toque final ao cenário de “As brumas de Avalom”.  Só os pinheiros desafiam as baixas temperaturas e se impõem verdes e fortes, dominando o ambiente do Park Źródliska Łódź. Entre árvores peladas e pinheiros metidos, uma casinha de bonecas pronta para receber famílias nos acolhe com simpatia e muitos doces (colaborando com minha paixão por açúcar). O chocolate quente veio em uma linda xícara rosa bombom, com marshmallows candy colors para meu encanto de menina saudosa da infância e adolescência entre Barbies e afins. Pedi um sanduiche aberto, delicadamente decorado com um presunto de Parma e fatias generosas da mais branca mozzarela italiana, com minifolhas de rúcula e nacos de suculentos tomates secos com ervas. Ainda pedi um bolo de chocolate com frutas do bosque e chantili, porque aquilo estava bonito demais naquela vitrine linda e limpa.

Sentamos em confortáveis poltronas azul bebê, com velas e pequenas flores brancas sobre a mesa, ao lado de uma grande janela com visão para as árvores nuas e luz oblíqua. Luz natural e de arandelas em formato de flor deixavam o ambiente ainda mais aconchegante.  Comemos rindo e felizes, Luigi dizendo: “Vamos ficar aqui na Polônia por um booom tempo não é, mamãe?”. Ele sente quando tudo combina para um momento perfeito em família, momento de felicidade plena, adoçado pela música ambiente suave, pelo barulho das outras crianças e pelo aconchego delirante daquele lugar. Foi um excelente domingo de se viver e de escrever agora. É bom estar viva, apesar de tantos pesares pelo mundo afora. Desejo, sobretudo, que cada pessoa consiga deixar sua alma leve a ponto de perceber esses dias elaborados pelo divino, eles existem em qualquer lugar, mas repito: a alma precisa estar leve para percebê-lo.

Pinheiros resistem ao frio e dão cor à paisagem

 

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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