CotidianoCrônicas

Em terras Makuxi

Hoje é dia 11 de julho de 2019, quase 18h de uma quinta-feira e eu estou em Roraima, Boa Vista, minha cidade querida, finalmente, depois de 15 dias em Manaus com minha irmã e mãe, que a propósito está bem de saúde, medicada e consciente das mudanças necessárias no estilo de vida. Revi amigas, tias, primas, primos e foi muito bom rever toda essa gente querida que de algum modo influenciou minha formação identitária, minha paixão e orgulho de ser amazônida. Morei quase cinco anos em Manaus, de 2007 a 2011 e ao retornar dessa vez apenas reafirmei o quanto esse povo é apaixonado pelo seu folclore, cultura popular, culinária regional e o quanto a cidade está mais limpa e sempre se autosustentando, independente de governos. A impressão é que qualquer coisa que você abra na porta da sua casa e coloque uma plaquinha de venda, você vai inevitavelmente vender, principalmente se for de comer.  Não é à toa que vários empreendedores roraimenses ampliam os negócios abrindo uma filial em terras manauaras.

Foi excelente rever minhas tias, primos e primas Brandão, sentir a energia forte e vigorosa delas que resistem ao trabalho duro sempre com leveza, educação e uma alegria grande em se reunir com a parentada, tomar aquela cerveja gelada que super combina com Manaus mais do que com qualquer outro lugar. Relembramos do meu pai, já vivendo em outro plano e de como ele era conservador na ‘proteção’ da honra das mulheres da família. Pai querido, que me reprimiu tanto a ponto de eu ter pesadelos com medo de engravidar de um namorado qualquer, como se isso fosse o fim da vida de uma mulher. Tantas nesse Brasil enorme criaram seus filhos sozinhas, com honradez e amor e teriam sofrido menos se o preconceito dentro da família fosse menor? A intenção dele era cheia de amor e cuidado, eu sei e me fez bem no fim das contas. Deixei de viver experiências das quais hoje eu me arrependeria. Ou não? Sabe-se lá.

Cheguei em Roraima e Luigi resolveu protagonizar uma cena linda no momento do pouso do avião. Dizia: “Cheguei em Boa Vista, mamãe? Você tem certeza? Eu não acredito que finalmente eu cheguei em Boa Vista, graças a Deus, cheguei na minha terra, eu tô muito, muito feliz mamãe”. E repetia isso batendo palminhas, minha mãe olhando emocionada, pensando tão alto que eu quase podia ouvir “não sei porque eles não voltam pra cá de vez e acabam com essa loucura de viver longe”.  Por hora os planos são os mesmos, mamãe, estamos em RR de passagem, com a missão de escrever minha dissertação (estou na página 40, faltam só 100, mais ou menos), rever amigos e familiares e retornar para o velho continente, dando continuidade à nossa missão.

Hoje já são 16 de julho. Meu notbook, tão atordoado quanto eu nessas idas e vindas, resolveu dar um piti e só voltou a funcionar ontem. Minha Janela estava sem atualização há dias, eu sei. Desculpe. Nessa primeira semana de Roraima já revi minha família, meu avós queridos, tão velhinhos (92 ele e 84 ela) e sempre transmitindo aquela paz de porto seguro de 10 filhos e 23 netos. Já estive com as melhores amigas quase todas, lugares e sabores especiais exatamente no mesmo lugar e ainda ouvi a música animada da minha banda local favorita, a Jamrock, que embarcou para temporada fora de Roraima, deixando crescer as asas talentosas que eles têm.

A verdade é que só cinco meses fora, parece mais tempo na cabeça de quem está vivendo do outro lado do mundo, pois aqui continua tudo exatamente igual, o mesmo calor empenhado que envolve a gente entre uma chuva e outra, os passarinhos autoritários fazendo algazarra o dia inteiro, mas especialmente nas manhãs claras, cagando nossas roupas no varal e enfeitando os galhos de árvores estáticas, carentes de vento.

Eu sigo tentando buscar uma rotina, mesmo lembrando que sou a pessoa mais antirotina que já conheci. É que descobri o quão necessária é a mesmice para a uma certa segurança psicológica, principalmente nesse momento de escrever uma dissertação, finalizar um mestrado para então escolher cuidadosamente os próximos passos profissionais. Uma amiga me disse algo esses dias e é real: ter muitas opções por vezes é motivo de angustia, pois sempre vamos pensar que o não escolhido poderia ter sido o caminho certo. Eu só tenho pedido para ouvir os conselhos do criador, já que ele me deu o dom e oportunidade dessa existência e só tenho me acomodado vagarosamente , eu e Luigi, na casa da mamãe, ocupando temporariamente as gavetas, a cama, o quarto dela e o quarto de visitas, mais o quarto dela, claro, usado até as camisolas de dona Luiza e isso tão bom… Reconfortante que paralisa.  Estou grata por sua presença aqui, leitor,vamos juntos curtir os dias normais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vanessa Brandão

Vanessa Brandão é jornalista amazônida. Manauara de nascimento, criada em Roraima, é indígena descendente do povo Wapichana. Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp – SP, mestra em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisando sobre arte e literatura indígena. Tem especialização em Assessoria de Imprensa e Novas Tecnologias da Comunicação e em Artes Visuais, Cultura e Criação. Publicou seu primeiro livro em 2022, com o título ‘Entre Pinheiros e Caimbés’. Escreve poesias, crônicas e contos e trabalha na produção de um romance. Atualmente mora parte do tempo em Lódz, na Polônia e parte em Boa Vista, Roraima, no Brasil

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Vanessa Brandão

5 thoughts on “Em terras Makuxi

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    Como eu amo seus posts Vanessa. São tão cheios de paz.

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    • Vanessa Brandão

      Amanda, fico muito feliz com sua frequente leitura, você me estimula a seguir. Beijo grande!

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  • Frase de terror: a missão de escrever minha dissertação (estou na página 40, faltam só 100, mais ou menos)…

    Frase para sorrir: os passarinhos autoritários fazendo algazarra o dia inteiro, mas especialmente nas manhãs claras. (Uma manhã dessas os bichinhos tavam tão assanhados que levantei às cinco pq não me deixavam mais dormir.

    Bom retorno, mesmo que seja de passagem.

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    • Vanessa Brandão

      Hahaha sem dúvida a frase é tensão pura! Mas vamos sobrevivendo, amigo. Grande abraço.

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    Nossa, que lindo! Adore.

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